sábado, 16 de janeiro de 2010

O PASSADO QUE FICA
Homens, mais do que mulheres, têm dificuldade em deixar que as coisas passem

Por Ivan Martins





Eu sempre tive dificuldade em separar passado e presente.

Ao contrário de uma ex-namorada de quem eu gosto muito, que se gaba de olhar apenas para frente, eu sofro desde adolescente de torcicolo existencial: vivo olhando pra trás, fascinado e (às vezes) apaixonado pelo passado.

Percebi essa dificuldade pela primeira vez ao fim de um período de quatro anos fora do Brasil: eu só conseguia pensar na garota por quem eu fora louco na adolescência.

Liguei da Inglaterra para a casa da mãe dela (ainda sabia o número de cabeça...), atualizei a ficha da moça (casada, dois filhos) e telefonei dias depois, com o coração aos pulos, para ter com ela uma conversa doce e ... inútil.

Descobri que aos 30 anos não se pode recuperar nada de uma paixão que se teve aos 13.

Mais tarde, deparei com a mesma dificuldade em outra circunstância. Depois de anos de namoro, apaixonado, levei um pé na bunda e gastei anos dolorosos (sim, anos!) tentando fazer o tempo voltar. Inutilmente.

É engraçado como as pessoas que sofrem da doença da nostalgia criam desculpas para se justificar.

"Ninguém é como ela". "A gente ainda tem uma relação". "Foi a pessoa mais importante da minha vida". "Enquanto eu gostar dela não vou gostar de outra pessoa". E por aí vai.

Os amigos cansam de ouvir a ladainha. O analista vira testemunha remunerada de um luto que não acaba. Até a família perde a paciência. Uma tristeza.

Minha experiência sugere que os homens são mais propensos a isso do que as mulheres. Ou pelo menos o tempo deles é diferente. Quer dizer, pior.

Mulheres sofrem intensamente e saem rápido da dor, prontas para outra. Ou assim parece. Os homens chafurdam, derrapam. Ficam semanas, meses, anos atolados na mesma crise. Por comparação, as mulheres parecem mais práticas. Ou mais resolutas.

Por que será? Acho que há nisso uma coisa edipiana. Perder a mulher que se ama talvez seja como perder a mãe. Ou ser abandonado por ela. E mãe, todos sabem, só existe uma.

Ou talvez as mulheres (por formação familiar, por cultura de grupo, até, quem sabe, por genética), tenham aprendido a não depender emocionalmente dos parceiros para além da medida do bom senso.

A despeito da imagem romântica e sentimental, (e do seu próprio discurso de fragilidade) tenho visto que as mulheres se aguentam muito bem.

Afinal, elas são o esteio das famílias desde a savana africana e não podem se dar ao luxo de gastar a vida gemendo pelos cantos. Há que seguir, marchar, fazer a prole;

A vida (talvez o relógio biológico da maternidade) empurra as mulheres à construção prática do mundo. Os homens têm tempo a perder e o perdem. Às vezes a vida inteira.

Dito isso, as coisas mudam. A vida ensina. Observo os meus amigos nostálgicos, aqueles que pareciam incorrigíveis, e percebo que eles aprenderam a cortar a corrente do passado.

Eu mesmo, depois de centenas de sessões de análise, depois do acúmulo das experiências, me surpreendo com uma capacidade nova de apreciar o presente. Capacidade que antes, me parece, não estava inteiramente lá, como não está na vida de muitas pessoas, homens e mulheres.

O passado continua uma presença forte. Ele molda o dia de hoje mas não o determina inteiramente, não o impede e, sobretudo, não o substitui.

Ou, como diz aquela ex-namorada que não olha pra trás: se você não quer que uma relação entre para o passado, é bom cuidar dela no presente; é bom garantir que ela esteja lá, no futuro. Faz todo sentido

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